Pequena avaliação histórica da
evolução recente do nado crawl com suas novas características
e técnicas. Braços estirados na recuperação, cotovelos
altos na puxada e recuperação, cabeça baixa, rolamento de
ombros ou rolamento de quadris, acompanhe um pouco de como isso apareceu e saiba
qual e a melhor opção de nado. Você já
parou para pensar que estamos a ensinar o nado crawl para nossos atletas e alunos
como se faz desde os anos 50 ou 60. Isso e inegável e muito pouca coisa
mudou, talvez diferente do que fazemos quando ensinamos os outros estilos. Entretanto,
e inegável que há um bocado de pequenas adaptações
em grandes nadadores que talvez representem uma nova metodologia a ser aplicada.
Este levantamento técnico mostra as últimas adaptações
e suas novas técnicas para o nado crawl adotadas pelos principais atletas
do mundo. Em 1997, Fernando Scherer, um dos nossos maiores velocistas
e especialistas do nado crawl deixava o Brasil com destino aos Estados Unidos
onde passaria a treinar com Michael Lohberg, treinador alemão radicado
na cidade de Coral Springs, no sul da Flórida. Em poucos meses, Xuxa ganhava
as manchetes do mundo inteiro com grandes resultados nos 50 e 100 metros nado
livre por ocasião dos Jogos da Amizade, onde inclusive derrotava pela primeira
vez o russo Alexander Popov. As duas marcas de Scherer foram novos recordes sul-americanos
e ao final do ano ele ficou com o 1o. lugar no ranking mundial nas duas provas.
Perguntado sobre qual tinha sido a maior diferença no treinamento
é o grande motivo para a sua evolução, Scherer respondeu:
Eu aprendi a nadar de novo com Lohberg, ele me ensinou como eu posso nadar
com meus quadris. Eu particularmente já havia estado
em Coral Springs, e lá em julho de 1997 com Michael Lohberg aprendi a importância
do quadril para o nado de costas, no ano seguinte, foi Scherer quem mostrava a
todos a aplicação para o nado crawl. Em junho de 1998,
o treinador americano Ernest Maglischo esteve em São Luis do Maranhão
para ministrar uma clínica internacional. Entre as novidades biomecânicas
apresentadas no seu curso, Maglischo destacou o fato de estarmos até hoje
treinando nossos nadadores de crawl com os movimentos diagonais da braçada,
termos utilizados há 30 anos. Com fundamentos científicos baseado
na física e biomecânica, Maglischo apresentou dados de que a propulsão
era resultante das forcas de sustentação e resistência, sendo
a de resistência maior e mais forte. Os dados de Maglischo
foram ilustrados com a apresentação de uma braçada mais reta,
mas sempre com o cotovelo alto, e talvez mais curta na sua finalização.
Foram utilizados os vídeos de seu principal atleta, o venezuelano Francisco
Sanchez duas vezes campeão mundial de piscina curta e trechos de analise
sub-aquática do russo Alexander Popov. Segundo Maglischo,
o novo crawl kayak era mais rápido e eficiente, mas muita ênfase
foi dada ao fato de se manter o cotovelo alto em todo o trecho da braçaada.
Tal apresentação dada em São Luís por Maglischo foi
polêmica e muito grande no ano seguinte nos Estados Unidos. Acusado de inventor,
alguns biomecânicos disseram que Maglischo não tinha nenhum embasamento
científico para sua explanação. A polêmica se arrastou
por vários meses e o boletim da ASCA (Associação Americana
de Treinadores de Natação) publicou as visões de ambos os
lados sem dar o seu parecer final. A Federação Norte-Americana
de Natação promoveu em abril de 1999 um encontro nacional para treinadores
de categorias inferiores em Lake Placid aonde eu tive a oportunidade de participar.
Lá entre os palestrantes, aquele que recebeu maior tempo de ministrar suas
idéias foi o treinador Bill Boomer, considerado o mais recente Papa
das técnicas e evoluções biomecânicas em natação
dentro dos Estados Unidos. Bill Boomer foi o responsável por mudanças
significativas em nadadores como Jenny Thompson e apresentou modificações
substâncias no quesito posição de nado na água. Baseado
em teses biomecânicas e físicas, Boomer propõe o completo
relaxamento do atleta no processo de aprendizagem com diferentes formas de trabalho
muito diferentes das tradicionais utilizadas no mundo inteiro. Bill
Boomer defende com ênfase a posição totalmente estirada do
nadador para todos os estilos, com uma posição da cabeça
totalmente alinhada com o corpo, um pouco diferente da normalmente utilizada,
mais funda. Os olhos totalmente voltados para baixo, mas a cabeça na linha
do corpo. Usando como parâmetros a figura de um peixe e um kayak, Boomer
defende o crawl kayak termo já utilizado por Maglischo no ano
anterior. Outro aspecto defendido por Boomer e a hiper-extensão
do stream-line para todos estilos, saídas ou viradas. Uma de suas mais
expressivas frases e: O quadril e seu motor. Uma das
grandes surpresas para mim ao vir para os Estados Unidos em janeiro de 1999 foi
observar a posição de nado dos atletas na água, um pouco
ou às vezes até bastante mais baixa do que a utilizada por nós
no Brasil. A Revista Swimmer de fevereiro e marco de 1999 através do treinador
Terry MacLaughlin apregoava uma posição mais relaxada
para o atleta na água. Assim a cabeça ficaria exatamente na linha
do corpo com os olhos voltados para baixo. Um brasileiro que mudou radicalmente
sua posição de cabeça nos Estados Unidos foi Fernando Scherer
que tinha uma posição de cabeça bem mais alta antes de vir
nadar em Coral Springs. Em janeiro de 2000, o veterano treinador
americano Ron Johson, ex-treinador da Universidade Arizona State, e que atualmente
trabalha com masters apresentou trabalho publicado nas Revistas Swimming World
e Swimming Technique aonde destacava o novo crawl australiano.
Neste artigo Ron Johnson destaca a maior diferença de técnica
entre os velocistas americanos e os grandes nadadores de fundo e meio-fundo australianos.
Segundo Johnson A diferença mais obvia está no fato da incorporação
do câmbio de ombro no estilo pelos australianos, deixando o crawl australiano
mais técnico e mais eficiente. Depois de um bom período
de observação, Johnson concluiu que o mais importante não
era mais a rotação de ombros, determinada há muitos anos,
e sim a rotação do quadril, dos membros inferiores e do baixo torso.
Segundo o treinador americano não existe um rolamento de ombros, mas os
ombros são um câmbio de marchas que primeiro se move para a frente
e depois se move para trás. Quando um braço esta recuperando
os ombros são levados para a frente eliminando a resistência e facilitando
a extensão máxima para a frente. Isso também facilita para
que o nadador nade com os cotovelos elevados nas fases de pegada e puxada. Segundo
Johnson, os americanos rolam os ombros demais. A posição
mais estável do ombro permite ao nadador elevar os cotovelos mais cedo
no estilo permitindo a rotação que ocorre no baixo torso, quadril
e pernas. Além disso, o câmbio nos ombros se caracteriza pelo movimento
para a frente e para trás e acontece em todos os estilos. Segundo
Johnson a distância por estilo (DPS) é a maior chave para incrementar
a velocidade e eficiência do nado. O câmbio dos ombros maximiza a
DPS em diversos itens: Isto ajuda no equilíbrio e também na
posição do corpo na água por transferir a forca gerada pelo
nadador permitindo uma melhor flutuação. No crawl e no costas,
isto ajuda a manter a linha central de rotação na parte baixa do
corpo. Esta estabilização de movimento no estilo contribui para
a rotação do eixo central. Isto contribui para eliminar a
resistência frotnal e a resistência de arrasto do nadador um dos maiores
fatores na melhora do DPS. Isto é um importante movimento no estabelecimento
do ritmo do nadador, pois quando o câmbio dos ombros esta perdido no final
das provas, resultado da fadiga da prova, as braçadas já não
serão tão eficientes, com pouca eficiência no rolamento dos
quadris, perda de ritmo, e colapso total do estilo. Na visão de
Johnson, alguns nadadores americanos utilizam a técnica australiana
como Jennie Thompson e Brooke Beneth, entretanto não com a mesma qualidade
encontrada em Kieren Perkins, Ian Thorpe, Grant Hackett e Susie ONeil, os
astros da seleção australiana olímpica. Na sua análise,
os australianos não treinam mais do que os americanos, apenas treinam mais
inteligentemente. Sua visão apresenta algumas críticas
ao fato de nos Estados Unidos termos 9 meses de temporada de piscina curta, em
jardas, coisa que não acontece em nenhum lugar do mundo. Além disso,
a fórmula de disputa, e as provas propriamente ditas incentivam e muito
o desenvolvimento de velocistas numa escala muito maior do que de fundistas. A
busca incessante pelo sonho de um scholarship (bolsa em universidade
americana) faz com que os atletas de High School e College se dediquem em grande
parte ao trabalho intenso de velocidade esquecendo muitas vezes da técnica
e de quesitos importantes como o DPS. Um detalhe interessante e
que Ron Johnson solicitou ao Comitê Olímpico Australiano para fotografar
os atletas Perkins, Thorpe e Hackett para seu trabalho, fato que foi negado pelo
comitê australiano. Para ilustrar seu trabalho, o treinador americano utilizou
o venezuelano Francisco Sanchez, que tem características próximas
da sua tese apresentada. Outro veterano treinador americano Dick
Hannula publicou na Revista Swimming in Australia na edição de maio
e junho de 2000 um outro artigo sobre o mesmo assunto. Desta vez, Hannula foi
mais específico na sua análise e apresentou a grande diferença
do crawl australiano: o empurrão direto para trás sem
o deslocamento para o lado. Segundo Hannula ele já havia visto nadadores
fazerem isso, mas não com a mesma intensidade e a mesma qualidade.
A puxada sem o deslocamento lateral utilizada pelos australianos foi observada
em praticamente todos os atletas da Seleção Olímpica e para
surpresa de Hannula nas categorias inferiores também. Combinado com grande
rotação do corpo, alta elevação do cotovelo e grande
extensão a frente. Segundo Hannula, os australianos estão
fazendo um grande trabalho no processo de aprendizagem dos nadadores com a nova
técnica. O uso de palmares específicos para o processo e destacado.
Um dos tipos de palmares usado e o palmar para os dedos já existente no
Brasil e aplicado para treinamento dos nadadores de peito. O assunto
voltou a ser discutido na Revista Swimming in Australia de Novembro e Dezembro
de 2000, agora foi o treinador Marshall Adams, que citou Maglischo, Hannulla,
Johnson, mas foi buscar em Charles Silvia, um antigo e veterano treinador aposentado
que há muitos anos apresentou teses relacionadas com a nova forma de nadar
crawl. Segundo Marshall, os livros de Counsilman e a popularidade de seu trabalho
fizeram com que o trabalho de Silvia fosse totalmente esquecido. Um
dos detalhes importantes destacados por Marshall e o fato de não ensinar
aos nadadores jovens o ato do S na puxada da braçada. Segundo
ele, tal movimento sairia naturalmente com a rotação do corpo, o
câmbio dos ombros e não se faz necessária a solicitação
específica. Segundo Marshall, tal solicitação faz com que
o estilo fique mais lento, além de um exagero no movimento lateral da puxada.
A American Swimming Magazine de outubro de 2000 trouxe uma reportagem especial
com o treinador russo Gennady Touretsky radicado na Austrália há
vários anos e responsável pela preparação de nadadores
como Alexander Popov e Michael Klim. Na reportagem, Touretsky destaca que: Técnica
e a chave constante de seu trabalho. O treinador russo destaca
que não se pode fazer excessivas trocas de técnica nos nadadores
pois eles podem vir a perder o feeling (sensibilidade) com a água.
Ele destaca que logo após os Jogos Olímpicos de 1996
fez alteração na técnica de nado do velocista australiano
Michael Klim incorporando a recuperação aérea de braço.
O novo estilo de Michael Klim e combinado com uma grande utilização
do seu rolamento de quadril combinado com a rotação exagerada dos
braços na recuperação aérea. O novo
estilo deu certo e Michael Klim passou a ter grandes resultados nas provas de
crawl, e não mais somente nas provas de borboleta culminando com o recorde
mundial de 48:18 batido na abertura da medalha de ouro do 4 x 100 livre dos Jogos
Olímpicos de Sidney. Na mesma edição da revista
Swimming Technique, a nadadora Inge de Bruijn é analisada pela sua grande
evolução em análise feita pelo seu treinador o americano
Paul Bergen. Inge, foi sem dúvida a nadadora de maior evolução
nos últimos anos e um detalhe importante foi a sua mudança de estilo
segundo o seu treinador. Em viagem à Australia no ano de
1997 para um período de treinamentos intensivos, Inge e seu treinador tiveram
a oportunidade de observar o australiano Michael Klim e sua técnica de
braços estirados na recuperação aérea. Assim como
Klim, Inge era apenas uma nadadora de borboleta com bons tempos em livre, até
se constituir em recordista mundial absoluta para as provas de 50 e 100 metros
nado livre. O novo estilo de Inge lhe deu uma mudança radical
de 26.23 nos 50 livre em 1996 para 25.01 em 98, 24.84 em 99 e 24.51 em 2000. Nos
100 livre a evolução foi maior ainda com 56.69 em 97, 55.62 4 98,
54.79 em 99, até o recorde mundial na Olimpíada de 53.80.
Os estilos de Inge e Michael Klim têm um grande ênfase na rotação
do quadril, combinado com a recuperação aérea e uma hiper-extenso
dos braços a frente. O estilo tem se mostrado eficiente mas estudos indicam
que e mais eficaz no trabalho de velocistas. Se você tiver
a oportunidade de assistir aos Jogos Olímpicos de Sidney e ver as provas
nadadas por Ian Thorpe você vai ver um nadador com os cotovelos elevados
em todo o tempo da prova. Entretanto, logo após a sua saída, Thorpe
faz como 3 ou 4 ciclos de braçadas com os braços estirados ate atingir
a sua posição normal de nado. A indicação biomecânica
e de que os braços estirados são mais difícieis de serem
mantidos em bom ritmo para provas mais longas, talvez seja esse um dos motivos
para Michael Klim ter saído um pouco mais das provas de 200 livre, passando
a nadar os 50 metros no seu lugar. O treinador americano Duffy Dillon
Head Coach do Fort Lauderdale Swim Team logo após retornar dos Jogos Olímpicos
de Sidney, aonde dirigiu a Seleção do Panama, adotou um programa
de mudança de estilo para vários de seus principais velocistas.
O novo estilo, baseado na recuperação aérea observado em
Klim e Inge teve boa aceitação no grupo e com rápidas respostas
nos tempos dos atletas. Observação do próprio Dillon e de
que a rotação dos quadris e o segredo de uma boa resposta
para a recuperação aérea dos braços estirados.
A modificação foi rápida e os resultados aparecerem em poucos
meses com aproveitamento de quase 100% na melhora dos tempos dos nadadores velocistas.
A americana Dara Torres deu um dos maiores exemplos de atletas que conseguem
evoluir tecnicamente mesmo após 7 anos sem nadar um único treinamento.
Fora das piscinas atuando como atriz, modelo, Dara decidiu voltar a nadar 13 meses
antes da Seletiva Olímpica Americana. O sonho de ser a primeira nadadora
americana a participar de 4 Olimpíadas seria realizado após um longo
e doloroso processo de treinamento com Richard Quick na Universidade de Stanford.
Logo no primeiro dia de treino, Richard Quick parou Dara ainda no aquecimento
para lhe avisar que não era mais daquele jeito que se nadava crawl.
Decidida a aprender e buscar o seu melhor, a nadadora americana após
longa explicação de seu treinador não havia se sentido satisfeita.
Assim, durante as duas próximas semanas Dara Torres participou do Swim
Camp na Universidade de Stanford onde junto com garotos de 12 a 16 anos aprendeu
exatamente a nova técnica de nado, com a cabeça mais baixa, menos
rotação de ombro e a puxada quase que reta. O sonho
de Dara virou realidade, o seu estilo evolui e muito, e foi figura fundamental
na vitória americana na ultima Olimpíada em Sidney. Qual
é a melhor técnica? O cotovelo alto e perfeito de Ian Thorpe ou
os braços estirados de Michael Klim e Inge de Brujin? A puxada reta dos
australianos ou o estilo dos americanos? A posição de cabeça
tem realmente de ser baixa para melhores resultados? Para responder
essa pergunta solicitei a meu patrão Jack Nelson, veterano treinador americano,
e técnico da Seleção Olímpica de 1976. Coach Nelson
tem mais de 40 nadadores olímpicos em todos os tempos e foi claro na sua
resposta: Me dê o nadador que eu dou a melhor técnica para
ele, ou seja primeiro analise o atleta e as suas características
pois nem todas as técnicas poderão ser ajustadas ao seu estilo.
Fonte: Alexandre Pussieldi |